Amélia Aragão
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Textos

 
Aquele era provavelmente o dia mais esperado da minha vida, meu aniversário de oito anos, tinha tudo para ser uma grande festa.
Umas bolas coloridas enfeitavam a garagem onde o meu pai guardava um fusquinha velho, mas cuidado como se fosse um membro da família. Um carro velho só na idade, de fato, estava novinho.
Na minha casa, cada um tinha uma mania e nós nos entendíamos muito bem.  
O meu pai zelava pelo fusquinha, a minha mãe adorava trabalhar no jardim, o meu irmão colecionava figurinhas de formula um e eu tinha várias bonecas de todas as cores e tamanhos. Isso tudo era muito bom.
Sim, mas voltando ao meu aniversário, muita festa, muitas crianças e presentes. Eu adorava dia de aniversário, porque mais tarde eu abriria um montão de pacotinhos que tinha de tudo: Canetas coloridas, adesivos diversos, bloquinhos para recadinhos, cadernos com folhas coloridas, muitas bonecas grandes e pequenas, caixinhas de jóias, perfumes, elásticos para cabelo, fivelinhas, colares, esmaltes e todas aquelas bugigangas que todas as meninas adoram.
Naquele dia, uma amiga de minha mãe veio para a minha festa com a filha dela. Uma garota da mesma idade que eu, que usava um aparelho nos dentes e um par de óculos que a deixava com cara de nerd.
Acertei! Ela adorava livros. Adivinhe o que ela me trouxe de presente? Um livro. Um livro daqueles com mais ou menos, cem páginas.
Ela me entregou com um sorriso metálico e acrescentou:
_ Este foi o melhor livro que eu já li e tenho certeza que você vai gostar.
_ Muito obrigada, disse meio desajeitada.
_ Um livro, quem dá um livro de presente? Pensei.
_ Eu não gosto de ler ainda mais um livro grosso desses, ah! Nunquinha que eu vou nem folheá-lo.
Coloquei o pacote dentro da caixa e corri para brincar com as outras crianças nos brinquedos que estavam armados no quintal.
A festa estava uma beleza. Muitos doces, música e animadores pra todo lado.
Não cabia dentro de mim de tanta felicidade.
Na hora de cantar os parabéns, todos se juntaram ao redor da mesa e foi aquela animação.
Os meus amigos da escola estavam presentes, a minha professora, os amigos de meu pai e tudo estava perfeito.
Eu estava mesmo radiante,  muitas fotos foram feitas.
Comemos bolo, dançamos bastante e finalmente chegou a hora de todos irem para suas casas.
Agora sozinha, com uma caixa enorme de presentes para abrir, e me divertir com todos aqueles pacotinhos, era tudo o que eu queria.
Como falei antes, todas aquelas coisinhas estavam lá. Parecia que já havia visto tudo.
Tirei o papel de todos os presentes, inclusive do livro.
Como muitos outros que eu tinha, coloquei também aquele na estante e disse pra mim mesma: nunca vou lê-lo.
Todos os meus livros estavam ali, eram apenas quatro, sempre na mesma posição, acho que não havia lido nenhum. Eu não costumava sequer tocá-los. Lá em casa ninguém tinha o hábito da leitura, então não tinha incentivo algum para isso.
Aquele seria apenas mais um.
Naquela noite, fui dormir muito tarde e muito agitada com tanta novidade.
Tudo foi diferente e até as janelas do meu quarto ficaram abertas.
Choveu forte a noite e minha mãe levantou-se para fechá-las e nos cobrir, pois ventava e fazia frio. A chuva não deu trégua. 
No outro dia, ouvimos no rádio que havia chovido em uma noite, o que se esperava para uma semana, e inundou a nossa cidade, embora a água ainda não tivesse chegado na nossa casa, ficamos alertas.
Morávamos  na parte baixa e um pouco perto de onde passava um rio.
Por causa da chuva, as escolas ficaram fechadas para a segurança de todos.
Era ruim ficar em casa sem ir à escola, então tínhamos que inventar brincadeiras para passar o tempo.
A chuva durou a semana inteirinha e já incomodava.
Já não agüentava mais brincar com bonecas, jogar vídeo game e ouvir histórias que a minha mãe contava.
Numa noite, depois de umas duas semanas sem pisar na escola e não ter mais o que fazer, resolvi olhar os livros da minha estante.
No começo eu só estava interessada em olhar as figuras, depois eu li o que havia escrito nas orelhas.
Comecei pelo presente no dia do meu aniversário.
Gostei da escritora que era natural de minha cidade e fiquei curiosa em ver o que ela havia escrito.
Não era comum aquele interesse, tampouco a curiosidade. Qual não foi a minha surpresa quando me vi paradona e querendo chegar logo ao final da história.
Estranho, muito estranho! Eu estava lendo e gostando. Será que chegaria ao fim?
Seria o primeiro que despertaria interesse em meus oito anos.
Eu estava me apaixonando por aquela leitura.
Um grito lá de dentro quebrou o silêncio da casa. Era a minha mãe chamando para almoçar. Na verdade eu nem sentia fome. Queria mesmo era chegar ao final do livro.
Para gravar em que página estava, falei em voz alta pra mim mesma: Estou na página 17.
A chuva não parava de cair e os vizinhos pareciam meio preocupados, pois uma barragem próxima a nossa cidade estava cheia e nos foi dado aviso de alerta.
Quando já estávamos almoçando o meu pai entrou correndo e gritando que todos deveríamos nos dirigir para a parte alta onde ficava a igreja e uma escola pública que nos abrigaria o tempo necessário, caso a barragem não aguentasse.
Minha mãe já havia organizado umas coisas para caso de emergência.
Eu estava com medo e os meus irmãos também.
A minha mãe falou para eu pegar o que eu mais gostava um casaco, calçar o tênis e correr junto com ela.
No meu quarto, a mamãe colocou minha caixa de presentes em cima do guarda-roupas, os colchões no beliche de cima junto com as roupas, cobriu tudo com um plástico e disse: "Seja o que Deus quiser".
Eu não tinha escolha, peguei o livro que estava lendo, coloquei-o em minha bolsa da escola, calcei o tênis e corremos para a parte alta, conforme nos foi indicado.
O meu pai já estava lá com os meus irmãos. Já havia muita gente quando chegamos na escola. Muitos colchões espalhados pelo chão e muitas famílias amontoadas. Algumas crianças choravam.
Os homens chegavam com fogões, mais colchões, panelas e o que desse para salvar.
A chuva não parava.
Uma brigada do exército chegou com suprimentos para nós e criaram uma equipe para organizar e controlar os alimentos que foram doados.
Um grupo ficou com a parte da cozinha para o café da manhã, outro para lavar os pratos, outro para decidir o que comeríamos e outro para providenciar a limpeza do local.
Quanta correria! Como eu estava triste e confusa com tudo aquilo.
No momento eu só pensava que há poucos dias eu estava em minha casinha, com os meus brinquedos, e agora eu estava lá, naquele meio tão confuso.
Todos os meus presentes ficaram lá naquela caixa e eu nem tive tempo de brincar com quase nenhum deles.
Sentia muito medo. Aquela noite foi muito diferente e ruim.
Vi os meus pais preocupados com a nossa casa e com os nossos pertences.
Muitas famílias continuavam subindo para se abrigarem na escola. Já não havia mais lugar.
Foi oferecida a igreja, mas nós continuamos ali. Todos juntinhos.
Um carro de entrega chegou e os homens descarregaram muitos mantimentos de dentro.
A noite, nos foi servido pão com manteiga e bolacha. Um copo de leite frio, sem nada e um bolinho de bacia, daqueles de feira.
Escureceu mais cedo e a chuva não parava de cair.
Enquanto a minha mãe organizava um lugarzinho para nós dormimos, eu observava a impaciência dos adultos.
A mamãe me colocou em um dos colchões junto com os meus irmãos, nos cobriu com um cobertor grosso e listrado que vieram nos pacotes que o exército deixou. Aqueles lençóis espetavam. Não tinha travesseiro e a minha mochila foi muito útil nessa hora.
Fazia frio, e quanto mais juntinho, mais quentinhos.
Estava triste e chorei baixinho. Ninguém viu. Demorei muito a pegar no sono, então ouvi uma parte das notícias e as previsões de chuva, muita chuva.
Depois dormi pesado e não vi absolutamente nada mais naquela noite.
Quando acordei, fazia um frio danado. As portas da sala que dormíamos tinha um buraco embaixo por onde entrava um vento que dava bem em cima de mim..
Toda aquela situação era  muito estranha e era muito diferente de como vivíamos em nossa casa.
Os meus olhos arregalados, correram toda a sala, pude ver nas paredes as tarefas das crianças que estudavam naquela sala, ai, deu uma saudade enorme da minha escola, dos meus cadernos, dos meus colegas...
Então sem escovar os dentes, nem lavar o rosto, comecei o meu dia olhando aqueles trabalhos expostos.
Pensei também nas crianças que não podiam ir à escola porque nós estávamos ali, pois não tínhamos para onde ir. Aliás, não tinha como ir de um lugar para outro. Estávamos todos ilhados.
O dia foi muito longo, muito chato, pior do que ficar em casa. Não podíamos sair, não tinha espaço para correr, não havia nada para fazer, sequer brinquedos.
O café da manhã foi pão com manteiga, e café para os adultos e leite para as crianças. Não teve bolacha, nem bolinho de bacia. Não tinha nenhuma banana, imagine vitamina? E foi aquilo mesmo. Tinha vontade de pedir, mas sabia que não seria possível. Então guardei o meu choro.
Até a hora do almoço foi um tédio.
Às 14:30h serviram uma macarronada meio esquisita, todo mundo recebia um prato de plástico, com uma concha de macarronada. Estava muito mole e parecia uma papa. Só podia repetir quando todos se servissem, não teve suco, somente água.
A mamãe nos disse para comermos tudinho para não ficarmos com fome. Estava muito ruim, mas eu comi conforme ela pediu. Não deu para repetir. Não sobrou nada.
As refeições eram feitas no galpão da escola e nós dormíamos nas salas de aula. Mais ou menos seis famílias por sala, com um monte de lençóis pendurados em cordas improvisadas, para simularem quartos.
Saí do galpão correndo, deitei no meu colchão e chorei muito, bem muito. Num momento tinha tudo, em outro não tinha nada. Aquilo só podia ser um pesadelo.
Ao me virar para esconder o meu choro, senti uma coisa dura dentro da bolsa e sentei-me rápido. O meu coração bateu forte. Era o meu livro.
Pela primeira vez senti-me feliz naquele lugar. Agora teria com o que me ocupar e assim passar o tempo.
Ah, que coisa boa eu senti. Chorei novamente, mas agora de alegria. Foi uma coisa meio misturada.
Lembrei que estava na página 17, mas fiz de conta que estava apenas começando.
Comecei pela capa, depois passei para a orelha. Passei a virar as páginas apenas sentindo as folhas passando os dedos em cada uma. Estava sentindo o cheiro do livro, passando minha mão página por página e apreciando aquilo como nunca fizera antes em toda a minha vida.
Comecei a leitura novamente. Tinha um novo sentido.
Nem me dei conta de quanto tempo estava ali compenetrada, lendo aquela história fascinante. Uma narrativa que me fazia imaginar e na verdade me transportava daquele lugar tão ruim, para dentro da história. Sentia-me tão longe e tão feliz que não me envolvia com a minha triste e real situação.
O meu irmão trouxe um pão com manteiga e um copo de leite. Eu estava com fome, com muita fome e pedi outro pão. Meu pai voltou para ver se conseguia. Um rapaz falou que era para esperar e se sobrasse, daria mais um.
Ali mesmo embaixo do lençol  continuei e não parei a leitura enquanto aguardava o outro pão.
Demorou muito e ainda assim o outro pão não veio. Ainda estava com fome. Deixei-me envolver com a história e esqueci.
Não dormi logo, fiquei quietinha e de vez em quando ouvia a conversa do pessoal sobre as previsões e sobre os lugares mais atingidos. Mas estava mesmo interessada na minha leitura.
Ainda chovia, embora com menos intensidade e o rádio não parava de dizer para ninguém voltar, pois uma parte da barragem havia rompido e mais água viria na direção de nossas casas.
Ouvi a  conversa de umas senhoras com a mamãe, elas diziam que tinham medo de perder a casa. Aquilo também me preocupou. Se a chuva não parasse, seria o fim.
 Pela primeira vez na minha vida, adormeci lendo.
Já estávamos ali por exatos três dias. O momento era único e em toda a minha vida, nunca vivi algo parecido.
No dia seguinte, acordei mais uma vez dentro daquele cenário que não era meu, e era ao mesmo tempo.
Senti novamente saudade de casa, dos meus brinquedos, dos presentes e de tudo. Deu vontade de chorar. Não queria que a minha mãe me visse triste, ela já estava suportando muita pressão e sempre nos consolava dizendo que iria passar e que logo, logo, estaríamos na nossa casa de volta com todas as nossas coisas.
Quatro dias completados e não trocamos uma roupa, tampouco escovamos os dentes. Era muito ruim.
Não havia material de higiene pessoal e uma fila enorme para o uso do banheiro.
Havia um banheiro masculino e outro feminino. Um banheiro com chuveiro para todo mundo usar. Assim mesmo sem água. Era necessário juntar água da chuva para tomar banho de bacia.
Uma bacia, sobre um banquinho improvisado, cheia de água da chuva para podermos passar sabonete, que chegou não sei de onde, e vestir a mesma roupa.
As três refeições eram sempre as mesmas. Pão com manteiga e leite, macarronada e pão com manteiga e leite.
Sozinha, encontrei  uma maneira de não sofrer tanto com a situação.
O livro era a minha salvação. Comecei a entrar mais profundo na história e participar diretamente com as personagens.
Enquanto imaginava um final para cada capítulo, eu era a protagonista principal, a roteirista, a leitora.
Aquilo tudo estava muito envolvente.
Ao final do quarto dia eu nem chorei, mas vi que aumentava a preocupação de meus pais. Ouvi também que não havia sobrado nada na parte baixa da cidade..
Não entendia que nada significava nada mesmo e pensava que ao voltar teria os meus brinquedos, minha caminha, minha bicicleta, e que esse nada poderia ser "só uma parte".
Não procurei saber mais detalhes, mas a cara das pessoas só refletia mesmo tristeza.
Estava no capítulo de número vinte e três quando percebi a inquietação das outras crianças.
Muitas choravam sem conseguir dormir, outras de fome, outras de tédio mesmo e outras, choravam por nada.
Aquela situação era difícil para todos. Vi uma mulher chorar escondidinho, que nem eu fazia. Aproximei-me dela e sem dizer nada, dei-lhe um abraço como se quisesse confortá-la.
Retribuiu me abraçando forte também..
Imitando uma ideia da autora, subi na cadeira e batendo palmas, chamei a atenção das crianças que ali estavam.
Se todos se sentarem no canto da sala, e ficarem calados, contarei a história desse livro e todos irão adorar.
Qual não foi minha surpresa, quando todos correram e sentados me olhavam com interesse.
Eu não tinha outra escolha.
Abri o livro na primeira página, mostrei a foto da autora, do ilustrador e contei um pouco sobre cada um.
Depois com a voz meio baixinha comecei uma nova leitura, que para mim, já era a segunda, mas parecia ser apenas a primeira.
Era muito diferente ler em voz alta, e melhor ainda, conseguir prender a atenção de todos aqueles garotos e garotas ali naquele momento.
Fomos interrompidos apenas pelo barulho do sino que indicava a hora do almoço.
Marcamos para nos encontrar logo após o almoço. Na verdade alguns nem saíram do local, pois as mães trouxeram o prato até eles.
Mal terminaram de comer aquele macarrão grudento, as crianças estavam lá de volta, olhando para mim. Elas mesmas pediam para fazerem silêncio para eu poder retomar a contação..
Eu estava feliz com aquilo. Não sabia que era capaz.
Concluí a leitura de um livro inteiro, com as crianças, pela primeira vez, em oito dias.
Na segunda vez, em menos de uma semana e na terceira vez deixei uma criança voluntária ler cada dia, então ficou mais interessante e demoramos quinze dias.
Aquela idéia foi a melhor coisa que nos aconteceu durante o tempo que ali ficamos.
A leitura ajudava o tempo passar, o interesse pela história nos fazia imaginar situações diferentes da que vivíamos e os comentários faziam com que eles se sentissem importantes. Todos ali tiveram oportunidade de falar da história ou de situações parecidas que já viveram antes.
Cada criança se envolvia de uma forma e amenizava a tristeza que invadia nossos corações.
A notícia que tínhamos sobre a chuva é que ainda continuaria por mais tempo. O pessoal comentava que nunca tinha visto um inverno tão rigoroso como aquele.
Só entendi que não havia restado nada, porque tivemos que passar três meses na escola.
Comíamos pão pela manhã, pão no almoço e pão no jantar. Todos aqueles mantimentos que chegaram já haviam acabado e uma padaria lá do alto, onde estávamos alojados, fornecia pão para as três refeições. Não era pra reclamar, mas criança não entende muito e reclama mesmo. Pão toda hora, enjoa, e por mais que se coma, continua com fome. Só sabe o que é isso, quem passa por isso.
Como as outras famílias, nós não tínhamos parentes por perto não tínhamos para onde ir e a ajuda só chegava através do exercito e de helicoptero.
Quando parou de chover, e a água começou a baixar, nós podíamos correr pelo pátio da escola, mas sempre tínhamos a hora da leitura do mesmo livro. Do único livro a que tínhamos acesso. Do meu livro.
Depois que a água baixou, um grupo de voluntários começou a aparecer em carros com um sopão. Era a salvação. Todos corríamos para recebermos um prato de sopa. Era como um manjar. Eles ainda ofereciam um pão, mas ninguém queria. Todos já sabem o por que.
Outra coisa boa, também davam prioridade para as crianças. Nós começamos a ficar mais alegres e menos crianças choravam de fome.
As famílias das partes menos atingidas começaram a descer para suas casas e começarem a limpeza. Isso também foi bom, pois diminuía o número de abrigados e ficava mais espaço para nós que ficamos por mais tempo.
A cena era muito triste. Algumas pessoas choravam ao verem todos os seus pertences acabados, as casas cheias de lama.
Outros não encontraram mais as casas.
Nós fomos praticamente os últimos a voltar, pois a nossa casa ficava muito próxima do rio.
Lá também não sobrou nada, nem os brinquedos, nem os móveis, nada.
E o Nada, era NADA mesmo.
Saímos da escola e recebemos uma barraca do exercito até a construção de nossa casa, mas pelo menos não ficamos amontoados. Não podíamos correr, mas víamos as pessoas trabalhando e ajudávamos como podíamos. Havia muita sujeira e animais mortos pelas ruas.
Não tínhamos mais panelas, fogão, nem água para beber. Ficávamos esperando pelos grupos voluntários que traziam comida três vezes ao dia. Isso durou mais de uma semana, até o governo do estado improvisar uma cozinha comunitária e distribuir comida para todos nós.
Havia muita doação, e as pessoas chegavam em carros particulares com brinquedos, roupas, material de higiene pessoal, água, sapatos e outras coisas.
Funcionava assim: Nós fazíamos uma fila e íamos passando por perto das coisas doadas e escolhíamos uma roupa, um sapato e uma outra coisa. Se ainda sobrasse, podíamos passar outra vez. Não havia briga. Todos estavam na mesma situação.
Aos poucos fomos refazendo a nossa vida até que tudo foi voltando ao normal.
Na barraca que nos foi dada, tinha dois quartos. Um para os meus pais e um para nós três. Apertadinho, mas o melhor que podíamos ter,
Sem fusca, sem casa, sem presentes, sem cama, sem jardim, sem figurinhas nós fomos nos acostumando à nova realidade.
Um dia no meio das doações fiquei surpresa quando vi alguns livros. Como ninguém nunca escolhia, eu entrava na fila várias vezes e pegava os que mais me interessavam. Achei aquilo muito legal. Li várias histórias interessantes e aprimorei minha leitura e o gosto pelos livros.
Graças àquele presente, além de enfrentar uma situação difícil com menos problema, e descobrir algo que me encantava fiz do livro o meu melhor companheiro que enfrentava comigo as dificuldades do dia a dia.
Depois desse ocorrido, não tive mais festa de aniversário, ainda e acho que vai demorar muito para ter a próxima. Mas de uma coisa estou certa: Eu adoro ler.
 
Maria Amélia Aragão
Camaragibe, 05/06/2009



Amélia Aragão
Enviado por Amélia Aragão em 23/03/2012
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