Amélia Aragão
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Textos
Estou madura, bem madura... Pelo menos na idade.
E para mudar um pouco o cenário de só trabalhar em casa, resolvi passar na Central de Empregos da capital para dar uma olhada nas vagas disponíveis e a possibilidade de me encaixar em uma delas. A oferta era grande, pelo menos 42 estavam abertas em diversos setores e para ambos os sexos. Mas o que mais me chamou a atenção foi o nível de exigência quanto à experiência que o candidato deveria ter para ocupar cada cargo ali disponibilizado.
Fiquei um pouco chateada, pois sou formada em Administração, com especialização em Comex e já fiz consultoria para Micro e Peq. Empresas por mais de dez anos. Dei-me muito bem com isso, mas, mesmo assim não preenchia nenhum perfil por causa da experiência naquele determinado setor.
Fiquei pensando por alguns momentos e não sabia se ironizava e deixava pra lá, ou se como quem não entendeu, me candidatava a vaga de recepcionista de um grande edifício empresarial, cuja exigência dentre outras, era de pelo menos 3 anos de experiência.
Então escolhi a segunda opção.
Rasguei um papel com o endereço e dirigi-me ao local para uma primeira entrevista.
Chegando lá, fui atendida por uma garota que estava no primeiro emprego, e perguntei-lhe quantos anos tinha ao que me respondeu sem titubear e com um sorriso metálico que tinha 16 anos e estava no projeto do Governo Federal Meu primeiro emprego. Fiquei feliz por ela.
Preenchendo a enorme ficha para o emprego de recepcionista, a garota me perguntou quanto tempo eu tinha de experiência e que essa informação deveria ser comprovada em carteira  e era essencial para darmos continuidade ao processo de qualificação e me encaminhar para o RH da empresa contratante.
Eu disse pra ela que não tinha experiência ao que me respondeu ser impossível completar a ficha.
 
Confesso que fiquei chateada e até tive vontade de chorar.
Agradeci, e dirigi-me para o meu carro no estacionamento do outro lado do rio que corta a cidade enquanto pensava com meus botões: Engraçado, a vida nos é favorável nesse sentido. Desde o dia em que nascemos não somos perguntados se sabemos viver, mas nascemos e vivemos assim mesmo.
Depois com o tempo, todas as coisas nos são apresentadas, na verdade impostas e nem dizemos sim ou não, apenas vamos fazendo, mesmo sem experiência, erramos, consertamos e fazemos certinho na próxima vez.
Ainda envolta em meus pensamentos, fiz como que uma introspecção profunda quanto às experiências de vida que acumulei e dos empregos que tive ao longo dos meus 42 anos.
Comecei aos 10 anos num armarinho, onde fazia contas de cabeça,ou na ponta do lápis e vendia elásticos, fitas, entretelas e tecido. Eu era muito boa e o dono, eu me lembro, só me perguntou se eu sabia fazer contas. E trabalhei 3 anos todos os sábados. De lá trabalhei numa sapataria, também durante 3 anos e lembro que nas festas de final de ano, vendia muitos pares de sapatos e ganhava uma comissão gorda além do fixo, aprendi fazendo e atendia bem.
Nesse mesmo tempo, nos meses de férias escolares, trabalhei num clube de campo como salva vidas e só me perguntaram se eu sabia nadar. Depois me formei no Magistério e aos 16 já ensinava numa escola da Prefeitura por sinal muito longe da casa de meus pais, também não pediram experiência. Por lá fiquei 2 anos até sair do interior para a capital e ensinar numa escolinha particular até encontrar algo mais interessante.

Então apareceu uma mãe de aluno que me perguntou se eu não queria ajudá-la com o filho que estava para nascer. Também não perguntou se eu tinha experiência. Eu fui babá desse garoto por 4 anos e me saí muito bem.
Ainda nesse emprego, aprendi a dirigir, e muito rápido, tirei a carteira de motorista e não tinha experiência, mas logo fui dirigir na rua.
Fiz faculdade, morei fora do país mais de dois anos e aprendi falar uma língua estrangeira fluentemente. A necessidade me ensinou.

A vida continuou com altos e baixos e fui convidada por um amigo para ajudá-lo em visitas a empresas que queriam se lançar no mercado de forma mais agressiva. Eu comecei agendando clientes  por telefone e o meu amigo fazia as visitas, depois comecei acompanhando e aprendi com ele, mas eu não tinha experiência.
Fizemos pelo menos 10 visitas juntos, eu já estava agendando e fazendo a consultoria sozinha.
Foi quando me contrataram e lá fiquei por mais de 10 anos. Eu aprendi fazendo.
Aos 22 anos viajei sozinha para o Canadá também para fazer prospecção e me dei muito bem.
Fiz consultoria para uma carteira de mais de 800 clientes brasileiros em diversos setores, e nunca me pediram para comprovar experiência. Todos os nossos clientes estavam satisfeitos.
Depois, aos 34 anos, casada há 8,  engravidei e a vida nem me perguntou se eu sabia ser mãe e eu encarei essa parada com louvor. Não precisou experiência. Ainda encaro até hoje, mas entre erros e acertos, cá estou eu, sendo mãe de uma garota linda, feliz e sadia. Entre erros e acertos, dou de mim, sempre o melhor.
Sinto muito em não ser capaz de ocupar o cargo de recepcionista de um prédio empresarial somente porque não tenho “EXPERIÊNCIA”.
Talvez muitas garotas de sorriso metálico, preencham essa vaga com digamos assim, “mais experiência”, Penso aqui comigo mesma, a vida dá esperiência para entender esse empasse.
                           Maria Amélia Aragão

 

Amélia Aragão
Enviado por Amélia Aragão em 18/04/2010
Alterado em 13/07/2011
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